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Minas lidera geração de empregos com carteira

25/11/2019
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No ano passado, mais de 821 milhões de pessoas passaram fome no mundo, de acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). À medida que a população aumenta, cresce também a necessidade de pensar a produção de alimentos, tendo em vista, ainda, as mudanças de hábitos dos consumidores, que, cada vez mais, buscam itens saudáveis e de boa procedência.

Os desafios nesse cenário, porém, não são de hoje. Ainda na década de 1970, o então ministro da Agricultura, Alysson Paolinelli, foi o responsável por liderar o que pode ser visto como uma revolução na produção agrícola brasileira, estudando e promovendo a ocupação do cerrado, além de modernizar a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e de incentivar a pesquisa no País.

Pelo seu importante trabalho relacionado ao avanço na quantidade, qualidade e disponibilidade de produtos alimentícios, chegou a receber, em 2006, o World Food Prize, o ‘Nobel da alimentação’. Ele continua atuante e vê hoje, no Brasil, a oportunidade de alimentar o mundo, em uma época em que, muitas vezes, menciona-se que pode faltar comida. Mas Paolinelli destaca: ‘é preciso ter pressa’.

Em entrevista exclusiva ao DIÁRIO DO COMÉRCIO, Alysson Paolinelli falou mais sobre como enxerga a atuação do País atualmente no agronegócio e as medidas que devem ser tomadas para que excelentes resultados sejam alcançados.

O senhor integra o Fórum do Futuro, uma iniciativa que existe há seis anos. Quais são os principais objetivos do grupo e como ele deve contribuir para o País?

O Fórum do Futuro surgiu pelo interesse de alguns profissionais que já foram do governo, mas hoje, pela condição de idade ou de outra limitação qualquer, não o são mais. Porém, não se pode perder a experiência, a competência que eles têm. Nós chamamos para trabalhar o ex-ministro Paulo Haddad, o professor e ex-reitor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Evaldo Vilela, o Paulo Flecha de Lima, entre outros. Fazemos discussões periódicas, trabalhos internos, discutindo alguns problemas nacionais que estamos vendo que o governo não está muito atento a eles, principalmente os estratégicos. Tentamos discuti-los de forma que possamos apresentar como sugestões ou atender a algum pedido de governo, de empresários, seja de que área for na iniciativa privada ou governamental. Esse fórum está, nos últimos seis anos, fazendo trabalhos muito interessantes. Um deles, que mais nos preocupa, é a evolução da pesquisa científica do setor agropecuário.

Por quê? Como está esse cenário atualmente?

O Brasil está formando entre 25 e 27 mil doutores por ano. Sabe o que está acontecendo? Estão se tornando motoristas de aplicativos. Isso está errado. É um desperdício. A própria Embrapa está sacrificada.

A crise que se instalou no Brasil foi crescendo até que apareceram os famigerados planos econômicos. O primeiro deles foi em 1986, o famoso Plano Cruzado. Foi um desastre, começaram a prejudicar a Embrapa, acabaram com o projeto integrado de pesquisa, as bolsas acabaram e a coisa degringolou. Perdeu-se o potencial que tinha. Hoje, a não ser as preservações que temos em três ou quatro boas universidades, na Embrapa ou algumas outras instituições, não tem mais a mesma ênfase para vencer essa etapa, e o perigo é parar agora.

Uma possível falta de alimentos nas próximas décadas é uma das principais preocupações no mundo. Como o Brasil pode tirar proveito dentro desse contexto?

O mundo está declarando que precisa mais do que dobrar a produção de alimentos até 2050, porque a população está crescendo, mas, muito mais do que o crescimento da população, há o crescimento em renda. Quem cresce em renda quer comer bem. Então, é preciso produzir mais. Temos que aproveitar essa fase agora. O mundo está começando a ter uma mudança de hábito alimentar. O Brasil tem uma vantagem. Temos 12 meses no ano para plantar e colher. O País pode produzir a nova comida que o homem quer, que é a agricultura natural. Mas vamos ter que voltar a brigar por mais ciência, mais tecnologia, porque é uma nova etapa que temos que pesquisar e ganhar.

Temos verbas para isso?

Tem que ter dinheiro. Para pesquisa não pode faltar. O governo está tentando trabalhar seriamente, enfrentado as reformas. Acredito que serão (reformas) sérias para que a gente possa ter novamente condições de atender áreas específicas como essa. Nesse mundo integrado que temos, se não tiver conhecimento, capacidade científica e tecnológica, não compete.

O que pode ser feito de diferente no País hoje?

Eu fiz uma proposta ao governo de estudarmos os nossos biomas. O Brasil está sendo muito pichado lá fora por um desentendimento. Os cientistas sabem que somos os mais competentes hoje em termos de sustentabilidade, mas o consumidor, que é o que nos interessa no mercado, não.  Eles estão sendo informados lá que nós somos queimadores da Amazônia, detratores dos recursos naturais etc. É inverdade. Nós temos que botar isso no lugar. Estou propondo que o governo pegue os seis biomas brasileiros, que ainda têm 66% de vegetação nativa. Nós vamos primeiramente conhecer o bioma e estabelecer quais são os limites de uso: “Olha, aqui não pode mexer, aqui pode”.

Se vai mexer, quais são os manejos, a tecnologia, qual é a inovação que pode ser usada sem degradar essa parte que vai ser mexida. Isso é inédito no mundo. Tenho certeza de que vamos ter dinheiro lá de fora também para isso. Já fui, já conversei, eles estão só esperando a decisão governamental para poder participar. Países querem, a China já está esperando esse projeto. Ela quer mandar para cá 40 doutores com dinheiro para participar das chamadas redes que nós vamos compor. São redes de pesquisadores excelentes, coordenados por um líder que vai ser escolhido em cada área. Estou com muita esperança de que vamos conseguir fazer isso.

O Brasil pode se tornar uma referência em relação à agricultura verde, saudável?

‘Pode’, não. Tem que ser. A começar porque ele é o único entre os competidores que produz 12 meses no ano. Não precisa ter estufas com energia clara, com aquecedores. Vai produzir naturalmente.

Somos um país sustentável? Podemos nos considerar assim?

Somos. Não sou eu que digo isso, são os cientistas de lá que estão querendo vir para cá. O Cerrado brasileiro é uma demonstração. Quem falou isso foi Norman Borlaug, vencedor do prêmio Nobel da Paz. Depois de visitar os nossos projetos do Cerrado em São Paulo, ele fez uma conferência em 2000 para 250 agrônomos e falou: “Ganhei o prêmio Nobel, eu me sinto muito honrado, mas tenho comigo uma interrogação que não me deixa tranquilo com meu travesseiro.  O mundo inteiro foi às regiões de terras férteis, sacou a vegetação nativa e vem produzindo ano a ano em algumas áreas, sendo degradadas. Onde vamos parar”. Pela primeira vez, eu encontro o inverso: o agricultor foi à área mais degradada que tinha e foi capaz de recompor e transformar na mais produtiva e competitiva, que é o cerrado brasileiro”.

E a questão dos transgênicos? Isso pode prejudicar a nossa comercialização no exterior?

Em relação aos transgênicos, cada caso é um caso. Como presidente da Abramilho, propus a criação de uma agência com os Estados Unidos, Brasil e Argentina. Esses três países produzem 50% do milho mundial, mas, na comercialização, chegamos entre 60% e 80%, e tem o problema da transgenia. Você vai à Europa, dizem ‘não queremos’ e brigam, mas compram, usam, nunca morreu ninguém lá por causa disso. Transgênico tem um grupo muito mais ideológico entrando nisso. Cheguei à seguinte conclusão: eles exigem, mas compram. Porque o nosso milho é muito melhor, mais barato. Nós produzimos milho há quantos anos? Ninguém vai soltar um transgênico se tem risco. Já imaginou uma empresa de grande porte que solta um transgênico que causa qualquer mal? Ela está arruinada, vai ser punida. Agora, eu acho que o Brasil vai ganhar também com essa agricultura nativa, natural, alimentos saudáveis. Pode falar que o milho, a soja etc., são transgênicos. Vamos produzir o outro (orgânico), pode deixar que vamos. Agora, nós temos que andar rápido com isso. Temos que colocar isso como estratégia.

Um assunto que tem sido muito debatido atualmente é a cafeicultura em Minas Gerais, com preços de produção acima dos de venda. Como você enxerga esse cenário?

A cafeicultura brasileira ainda é a mais competitiva, tem uma qualidade excepcional, um grupo ainda pequeno de produtores que evoluíram muito na certificação de origem, na qualidade, os chamados gourmets, que estão recebendo preços muito compensadores.  Agora o problema todo é um erro que estamos cometendo. Enquanto estivermos vendendo café como commodity, estaremos levando na cabeça. Pergunta para quem está fazendo café gourmet se está insatisfeito? Não. Agora, é possível fazer tudo de uma vez? Não. É uma evolução, tem que ter apoio governamental, tem que ter certificação, criar suas associações, como fez o café do Cerrado, como tem alguns grupos no Sul de Minas, na Zona da Mata. Esses vão conseguindo vender o café a um bom preço. Conheço produtores que estão vendendo uma saca de café a R$ 1.500. É uma evolução que temos que passar se quisermos ganhar dinheiro. Então, deve parar de produzir commodity? Não pode. Tem que articular bem para ter cuidado com o mercado, ver qual é a capacidade, tudo isso tem que estudar bem. E é preciso que esses cafeicultores se organizem mais.

Fonte: Diário do Comércio

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